POR SALVADOR NOGUEIRA
Com grande fanfarra, e após um bocado de suspense, físicos nos Estados Unidos anunciaram a realização da primeira detecção positiva de ondas gravitacionais, uma das previsões mais incríveis da teoria da relatividade. E com isso está oficialmente aberta uma nova e poderosa janela para o estudo do Universo — uma que pode até mesmo nos levar a investigar o momento exato de seu nascimento!
O comunicado, transmitido pela internet para o mundo todo no começo da tarde desta quinta-feira (11), foi promovido pela Fundação Nacional de Ciência dos EUA, em Washington, e envolve uma detecção feita pelo imenso experimento conhecido pela sigla LIGO, sigla para Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory. A colaboração envolve cerca de 1.000 cientistas de 16 países.
O sinal em questão parece envolver a colisão de dois buracos negros relativamente modestos, um com 29 vezes a massa do Sol e outro com 36 vezes a massa do Sol. Eles espiralaram um em torno do outro até colidir e se fundir, gerando um único buraco negro com cerca de 62 massas solares — e míseros 300 km de diâmetro. A massa faltante foi convertida durante a colisão em ondas gravitacionais — detectadas então pelo LIGO, a mais de 1 bilhão de anos-luz de distância.
“É a primeira vez que um sistema como esse foi observado, um buraco negro binário em fusão, e é a confirmação de que esses sistemas existem no Universo”, disse David Reitze, diretor-executivo da colaboração LIGO. “O que é realmente empolgante é o que vem a seguir. Quatrocentos anos atrás, Galileu apontou seu telescópio para o céu e abriu uma nova janela para o estudo do Universo. Nós estamos fazendo algo similarmente importante aqui hoje.”
GRANDES INSTALAÇÕES, PEQUENAS MEDIDAS
Composto por duas instalações gêmeas localizadas nos estados de Washington e da Louisiana, o sistema usa lasers correndo em circuitos perpendiculares de 4 km e interagindo uns com os outros. Qualquer minúscula variação no comprimento de um dos braços, provocada por uma onda gravitacional, geraria um padrão de interferência detectável. E, quando falamos em “minúscula”, é algo como um milésimo do tamanho de um próton.
Mas que diacho é essa tal de onda gravitacional? Bem, é uma das predições mais difíceis de confirmar da relatividade geral, que Einstein formulou em 1915 e publicou no começo do ano seguinte — exatos cem anos atrás, portanto. A teoria revolucionária mudou a noção que tínhamos de espaço e tempo, indicando que eles não seriam fixos e imutáveis, como se acreditava até então, mas flexíveis, maleáveis. E a gravidade nada mais seria do que uma distorção nessa nova entidade, o continuum espaço-tempo.
A teoria sugere que objetos em órbita um do outro sofreriam uma redução paulatina de sua distância, como se estivessem espiralando em torno de um centro de massa comum. Isso valeria para todos os objetos no espaço. Então, até mesmo a Terra estaria espiralando na direção do Sol — mas num ritmo tão lento que nem mesmo centenas de vezes a idade do Universo fariam com que nosso planeta mergulhasse em sua estrela.
Isso, contudo, é uma perspectiva muito mais real para estrelas de nêutrons e buracos negros binários, já orbitando muito perto um do outro. Com efeito, a primeira evidência indireta da existência das ondas gravitacionais foi descoberta na década de 1970, quando os astrofísicos americanos Russell Alan Hulse e Joseph Hooton Taylor Jr. descobriram o objeto PSR B1913+16, um par de estrelas de nêutrons orbitando velozmente em torno de um centro de gravidade comum.
Estrelas de nêutrons são o que resta de astros muito maiores, depois que eles esgotaram sua capacidade de produzir energia por fusão nuclear e explodiram violentamente como supernovas. Quando o material que sobra da explosão é superior a três ou quatro vezes a massa do Sol, não há lei física conhecida que impeça seu colapso completo –- o objeto se torna um buraco negro. Contudo, se a massa é menor que essa e pelo menos 40% maior que a do Sol, o resultado final é uma estrela de nêutrons.
No caso do PSR B1913+16, Hulse e Taylor notaram que o período orbital das duas estrelas de nêutrons estava encurtando, como se eles estivessem espiralando para dentro, gradualmente se aproximando um do outro. É exatamente o “sintoma” de que o sistema está perdendo energia na forma de ondas gravitacionais. A descoberta valeu aos cientistas americanos o Nobel em Física de 1993, e graças a isso sabemos que ondas gravitacionais deveriam existir mesmo. Faltava detectá-las diretamente.
É o que parece ter acontecido agora, pela primeira vez.
SERÁ QUE AGORA VAI?
O que deixa o mundo científico um pouco trepidante é que é a terceira vez que isso acontece pela primeira vez. E as duas primeiras não passaram de alarme falso.
A primeira delas envolveu o físico americano Joseph Weber, um pioneiro da caça às ondas gravitacionais e o primeiro a desenvolver detectores para esse fim, na década de 1960. (Um de seus detectores inclusive foi colocado na Lua pela missão Apollo 17!) Weber chegou a anunciar sucesso na busca, mas tudo não passou de um problema no processamento dos dados produzidos pelo detector.
Já o segundo alarme falso foi bem mais recente, em 2014: o grupo do experimento BICEP2, telescópio instalado no polo Sul, disse ter detectado sinais de ondas gravitacionais na radiação cósmica de fundo — supostamente confirmando que o Universo teria tido um período inflacionário logo após o Big Bang –, mas depois teve de voltar atrás, quando se tornou provável que o sinal não passasse, novamente, de um problema de processamento de dados. Eles haviam subestimado o ruído produzido pela presença de poeira dentro da nossa própria galáxia.
Para não repetir o fiasco, o pessoal do LIGO tem mastigado cuidadosamente nos últimos meses o sinal detectado, para excluir ao máximo qualquer chance de engano. Isso levou a meses de especulação de que uma detecção havia sido feita, iniciada pelo físico americano Lawrence Krauss, seguida por longos meses de silêncio.
O experimento já está atrás dessas ondas há um bom tempo. Ligado em 2002, ele passou os oito anos seguintes em busca de uma detecção, sem sucesso. Depois, passou cinco anos fechado para uma atualização, o que o transformou no Advanced LIGO, religado novamente em setembro do ano passado. Mais sensível, ele aumentou seu alcance de detecção. Se antes o sistema podia detectar o sinal de ondas gravitacionais de um par de estrelas de nêutrons em colisão a no máximo 70 milhões de anos-luz de distância, ele passou a poder captar sinais do mesmo tipo num raio de mais de 210 milhões de anos luz. Para eventos mais radicais, como a colisão de buracos negros, o alcance é ainda maior, se estendendo a bilhões de anos-luz. Foi o que bastou.
E agora? Com a divulgação, o resultado estará disponível para ser analisado cuidadosamente por toda a comunidade científica. Não só isso permitirá certificar sua autencidade como abrirá uma nova maneira de estudar o Universo. Objetos como buracos negros em colisão são inacessíveis por meio de telescópios convencionais. Mas é possível estudar em detalhes fenômenos como esse por meio das ondas gravitacionais.
A primeira detecção positiva levará a um aumento radical de interesse na área. Espera-se que os detectores já em operação — e os que ainda virão, baseados em terra ou no espaço — permitam investigar um número cada vez maior de objetos astrofísicos. Talvez seja possível, no futuro, detectar até mesmo as ondas gravitacionais produzidas pelo próprio Big Bang, oferecendo aos cientistas um acesso sem precedentes à origem do Universo.
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